A passagem de Diego Maradona pelo Napoli representa a sua fase mais exuberante como jogador em um clube. Também foi lá que ele atuou por mais tempo, de 1984 a 91, e conquistou mais títulos. Creio não ser exagero dizer que o Napoli foi para Maradona o que o Santos foi para Pelé.
Por tudo isso gostaria de fazer uma breve análise sobre esse período, incluindo o seu triste fim. Quando, em 1984, a relação de Maradona com o Barcelona já estava deteriorada, os homens do presidente Corrado Ferlaino, na figura de Antonio Juliano, começaram a mexer os pauzinhos para trazer o craque para Nápoles. Giampiero Boniperti, presidente da Juventus na época, não via físico em Diego para ser um “grande” jogador. Além disso, ele alegava já ter Boniek e Platini.
Da mesma maneira, o presidente Paolo Mantovani, da Sampdoria, refutou proposta pelo craque, pois já tinha Mancini e Vialli. Chamado de “o engenheiro”, Corrado Ferlaino foi daqueles presidentes marcantes dentro do calcio, assim como Dino Viola na Roma, ou Gianni Agnelli na Juventus. E ele não desperdiçaria a chance de contar com uma das estrelas mais reluzentes no mercado europeu.
Na data histórica de 5 de julho de 1984, diante de um estádio San Paolo lotado com setenta mil torcedores, Maradona faz embaixadinhas e se apresenta: “Buonasera napolitani, sono felice de essere con voi. Forza Napoli!”. Após algumas temporadas em que o time belisca o título, chega o ano do scudetto: 1987. Certas figuras daquela esquadra devem ser destacadas. Garella, arqueiro campeão em 1985 pelo Verona e que defendia muito bem com os pés; o lendário capitão Beppe Bruscolotti e o rapazote Ciro Ferrara na zaga; um meio campo brigador com Salvatore Bagni e Nando De Napoli; Bruno Giordano a escoltar Maradona e Carnevale no ataque. O técnico era o gélido Ottavio Bianchi, ainda que para Diego “los técnicos éramos nosotros”.
Porém, tão romântico quanto ver aquele time vindo do sul italiano, sempre muito pobre, derrotar o poderio econômico e político de um Milan ou uma Juventus, era também deprimente ver a queda do seu ídolo maior. No plano pessoal Maradona já trazia consigo a dependência pelo vício da cocaína. Talvez todo aquele ambiente de adoração da torcida e da cidade tenha favorecido isso.
No ano seguinte, todos davam o bicampeonato como favas contadas. Ainda mais com a chegada de Careca, o nosso Antônio de Oliveira Filho, goleador de Guarani e São Paulo. Inexplicavelmente, na reta final do torneio o Napoli perde terreno e a taça fica com o Milan. Uma hipótese para elucidar tal fato é a de que a Camorra perderia dinheiro se tivesse de pagar todas as apostas feitas caso o Napoli fosse campeão. Essa facção mafiosa teria inclusive ameaçado Maradona para que ele fizesse corpo mole nas partidas finais.
A verdade é que após essa temporada algumas cabeças rolaram, entre elas a de Giordano. Esse virtuoso jogador, na época oriundo da Lazio, vivia uma espécie de ressurreição após ter seu nome envolvido no escândalo do Totonero, junto com Paolo Rossi. Mas a engrenagem estava bem azeitada e, em 1989, o Napoli conquista também a Europa ao vencer a Copa UEFA. A decisão com o Stuttgart foi emocionante.
Após vencer a primeira partida por 2 a 1, bastou ao time italiano o empate em 3 a 3 na cidade alemã. Neste jogo teve até gol de Ferrara, concluindo um passe de cabeça de Diego. Assim como De Napoli e Crippa, Ciro era um dos melhores amigos de Maradona no clube. Ele sentia que as coisas não andavam bem com Dieguito, apesar do novo scudetto vencido em 1990. No ano seguinte, viria o antidoping positivo após jogo contra o Bari.
Cada vez mais acossado pelo vício, Maradona afundava também nas sombras do Vesúvio. Depois de ter arrasado a cidade de Pompeia, causando a morte de vinte mil pessoas no ano de 79 da era cristã, esse vulcão encontra-se adormecido, como uma sentinela da cidade de Nápoles. Porém, existem vulcões, como o Stromboli, por exemplo, que estão em perpétua atividade.
A personalidade de Maradona é um enigma de tristes coincidências. Ao dar tantas alegrias para a torcida do Napoli, ele talvez tenha esquecido de apagar aquela chama perversa do vício dentro de si. Uma chama que infelizmente está na natureza do ser humano, imprevisível e trágica como os vulcões.
*crônica publicada originalmente no livro “Alicate contra diamante” (2007).