Com as mudanças climáticas, municípios do litoral de São Paulo e de outros Estados têm investido em obras de contenção para evitar o avanço do mar sobre áreas urbanas. Entre as medidas, estão muros para segurar ressacas, barreiras submersas para amenizar as ondas e o alargamento de praias, com a colocação de areia do próprio mar. Especialistas afirmam que as medidas são paliativas, já que o aquecimento global vai tornar as ressacas mais frequentes e severas. Para eles, o mais importante é reduzir a ocupação da orla, que geralmente ocorre sem planejamento.

O governo federal iniciará em 2024 o Plano Clima, que vai liberar R$ 10 bilhões em dez anos para Estados e municípios executarem projetos de adaptação à mudança do clima, incluindo soluções locais para o aumento do nível do mar. O governo paulista informou ter desenvolvido um sistema de aviso de ressacas e inundações costeiras no litoral paulista e já treina agentes municipais para o uso adequado dos alertas.

No litoral de São Paulo, a prefeitura de Mongaguá está construindo muretas de contenção mais largas e altas para resistir à força das ressacas e marés em toda a extensão da praia. Em março de 2020, uma forte ressaca destruiu as muretas existentes e estragou calçadões e vias urbanas. Quiosques foram danificados, postes de iluminação, arrancados, e portões de prédios caíram com a força das ondas, que arrastaram carros.

O fenômeno se repetiu outras vezes, a última em setembro deste ano, segundo o representante comercial Abilio Rosa, que mora em prédio de frente para o mar. “Eu estava com minha família no apartamento, no térreo, quando a onda inundou todo o estacionamento e chegou até nossa escada. Depois vimos que toda a avenida tinha virado mar”, conta.

Conforme a prefeitura, as ressacas também entopem tubulações e bueiros, danificando a rede de drenagem. As obras da nova estrutura se concentram na Avenida Mário Covas, na orla da Praia Grande. A nova mureta está sendo reforçada com armações de ferro, enrocamento e fundações mais profundas. O muro terá cerca de 6 quilômetros de extensão, entre o centro e a divisa com Praia Grande.

Em Ubatuba, litoral norte paulista, a prefeitura usa cerca de R$ 2 milhões para recuperar a mureta de contenção do calçadão da Avenida 9 de Julho, depois de ter sido destruída por uma ressaca, há dois anos. Na Praia do Itaguá, foi recuperado o muro de contenção da Avenida Leovigildo Dias Vieira. Este ano, ondas fortes voltaram a cobrir totalmente as faixas de areia e atingir a infraestrutura urbana nas praias de Ubatumirim, Tenório e Enseada.

São Sebastião constrói muros de pedras e barreiras de concreto para a recomposição do leito de um rio que sofre o impacto das ressacas na Praia Toque-Toque Grande. O rio, que deságua na praia, é invadido pelas marés.

A cidade foi atingida por uma catástrofe climática em fevereiro, com o deslizamento de morros e o avanço do mar sobre a orla. Outras praias, como Boiçucanga, Baleia, Cambury, Barra do Una e Juquehy, estão com obras planejadas para reduzir o avanço do mar.

Sacolões de areia
O município de Santos realiza estudos para ampliar as barreiras de proteção compostas por geobags, enormes sacos de areia instalados abaixo da linha d’água para diminuir os efeitos das ressacas.

Nos últimos anos, algumas regiões da cidade foram invadidas por ondas fortes, causando destruição. O projeto foi iniciado em 2018, na Ponta da Praia, por meio de uma parceria entre a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semam).

A barreira submersa tem 275 metros de comprimento e é composta por 49 grandes sacos de material geotêxtil, fibras sintéticas resistentes, dispostos em formato de ‘L’. Ela está instalada em frente à praia, a partir da mureta na altura das ruas Afonso Celso e Paula Lima. A função da barreira é diminuir a força das ondas e reter a areia movimentada pelas marés.

Um mapeamento do Instituto Geológico (IG), vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil) atualizado até 2017 mostrou que mais da metade das praias paulistas são classificadas como de risco “alto” ou “muito alto” de erosão. Em estágio mais avançado, as erosões na faixa de areia podem fazer algumas praias desaparecer.

Conforme a pesquisadora do IG, Célia Regina Gouveia, a situação só tende a se agravar porque o nível do mar está subindo. Das 98 praias paulistas avaliadas, 51,5% estavam com risco alto ou muito alto. Foram avaliadas 67 praias do litoral norte, 23 da Baixada Santista e 8 do litoral sul. Só duas praias apareciam em risco muito baixo: Toque-Toque Pequeno e Santiago em São Sebastião.

Segundo o estudo, o encolhimento da faixa de areia é causado pela combinação de mudanças climáticas e fatores locais, como a urbanização e outras interferências humanas. “Esses resultados evidenciam que nos últimos 15 anos a erosão vem aumentando nas praias de todo o Estado, seja por causas naturais e também induzidas por atividades antrópicas na orla”, disse a pesquisadora.

Engordamento
A ampliação da faixa de areia do mar, processo conhecido como engordamento, adotado em outros Estados, já é cogitada por prefeituras do litoral paulista. Em Ilhabela, a Praia do Perequê desaparece durante as ressacas e a água já invadiu casas e danificou uma ciclovia. Outras cinco praias – Barra Velha, Itaquanduba, Engenho d’Água, Vila e Ponta do Pequeá – tiveram perdas de até 20 metros na faixa de areia devido ao avanço do mar.

A prefeitura elaborou um plano para engordar as praias usando areia do mar. O projeto, com custo estimado em mais de R$ 20 milhões, chegou a ser anunciado pelo prefeito Toninho Colucci (PL), mas ainda não avançou.

Conforme a prefeitura, o plano foi suspenso devido à queda na arrecadação aos royalties de petróleo. Em outras cidades, como São Sebastião e Bertioga, o uso da técnica chegou a ser cogitado, mas não avançou.

Uma das principais cidades turísticas brasileiras, Balneário Camboriú, em Santa Catarina, recorreu ao engordamento da praia para evitar as ressacas que, segundo o município, invadiam a Avenida Atlântica e causavam estragos na cidade.

Outra razão é que o avanço do mar tinha reduzido a faixa de areia de 70 para menos de 20 metros. A sombra dos altos edifícios da orla se projetavam no espaço reservado aos banhistas.

As obras, realizadas entre março e dezembro de 2021, recompuseram os 70 metros, sugando areia do próprio mar, mas seus efeitos ainda são estudados. Em novembro de 2022, surgiu um “degrau” na faixa de areia causado pela erosão. Em junho deste ano, as ressacas retiraram outros 70 metros de areia na ponta da praia, na Barra Sul. A prefeitura precisou realizar obras de contenção no local.

A prefeitura do Balneário Piçarras, outra cidade do litoral catarinense, lançou em julho deste ano um edital para realizar pela quarta vez o engordamento de sua praia em um trecho de 3 quilômetros. O local já havia sido alargado outras três vezes, a última há dez anos, mas as ressacas e correntes marítimas levaram a areia para o mar.

No Paraná, o governo estadual concluiu em outubro último o engordamento da faixa de areia em Matinhos, no litoral. A praia foi alargada em até 100 metros em uma extensão de 6,3 quilômetros.

Em Guarapari, no Espírito Santo, uma obra de R$ 102 milhões devolveu a faixa de areia que o mar havia arrancado da Praia de Meaípe. A faixa de areia, que praticamente desaparecido, voltou a ter 50 metros de largura em toda a extensão de 3,3 quilômetros.

“O mar tinha levado a praia, não tinha como atender os moradores e os turistas. O investimento trouxe de volta a vida para o Meaípe”, disse o governador Renato Casagrande (PSB), ao entregar a obra, no dia 2 de setembro.

Outras cidades brasileiras investem em obras para a contenção do mar. Em Maceió, capital de Alagoas, a prefeitura já usou 15 mil blocos de concreto montáveis para construir muros em quatro pontos da orla mais atingidos pelas ressacas. A técnica é holandesa e, segundo o município, tem vida útil de 200 anos. Serão mais de 2 quilômetros de barreiras em trechos das praias da Jatiúca, Jacarecica, Sobral e Pontal da Barra.

Fortaleza, capital do Ceará, construiu um sistema de espigões para conter as ondas que corroíam sua praias. Criticadas pelo impacto visual, as estruturas viraram locais de lazer e prática de esportes, possibilitando também vistas panorâmicas da região. Em agosto deste ano, a prefeitura assinou contratos de concessão para a iniciativa privada conservar os equipamentos em troca de sua exploração comercial.

Fonte: Estadão