Primeiro se sente a grossa camada de chocolate e, logo depois, o romper dos dois biscoitos. O recheio é duplo, com uma fina camada de doce de leite tradicional e, no centro, um segundo doce de leite muito mais claro e cremoso. Mas, no meio de todo esse açúcar, o protagonista é outro: o sal.
Talvez seja ele o responsável pelo sucesso do novo “alfajor do verão”, que vem desafiando a queda de consumo pela alta inflação na Argentina. Trata-se da edição especial Mar del Plata, lançada pela Havanna há duas semanas em homenagem aos 150 anos da cidade litorânea queridinha dos portenhos.
Mesmo mais cara do que a versão original, a guloseima já gera filas e até aplausos quando chega nos pontos de venda da região costeira do país. Em 13 dias, a empresa afirma ter vendido 295 mil unidades, o dobro do lançamento do verão passado, o super dulce de leche sem glúten, o mais exitoso até então.
“E poderíamos ter vendido muito mais”, diz o diretor de marketing Martín Zalazar, mas a produção não tem dado conta da demanda. “Estamos tendo quebras de estoque. Há gente fazendo fila nos locais esperando o caminhão. Os vendedores falam: vai vir ao meio-dia, e as pessoas esperam e aplaudem.”
O boca a boca se espalhou pelas redes sociais. “Está em falta. Vendem o vegano e não vendem esse”, reclama, indignada, uma argentina no TikTok, frustrada ao voltar para o carro. “É o quinto Havanna em que ela vai atrás do alfajor de Mardel [apelido de Mar del Plata]”, brinca a legenda.
Não era algo esperado. “Pensando no contexto da Argentina, achamos que ia vender como o super dulce de leche no máximo”, conta Zalazar. O país viu sua inflação duplicar em dezembro, depois que Javier Milei assumiu a Presidência, desvalorizou a moeda local e retirou controles de preços.
Isso fez as pessoas cortarem os gastos em todos os setores, mas principalmente no de alimentos e bebidas, ainda mais em itens supérfluos como é o caso do alfajor. Apesar de ter vendido bem no período de festas, a Havanna diz ter sofrido uma baixa muito forte na primeira quinzena de janeiro, agora recuperada com o lançamento.
O sucesso desafiou também o paladar argentino. “Me surpreendeu bastante. Nós somos um pouco conservadores na gastronomia”, descreve o jornalista Mariano López, 43, que é dono do perfil Alfajores Marplatenses no Instagram e, obcecado pelo doce, já foi até jurado do campeonato mundial da receita.
“Já provei centenas de alfajores, e é a primeira vez que vejo um com sal, mas sei que em outras partes do mundo é muito usado para realçar o sabor”, afirma ele, que trabalhou dos 14 aos 30 anos de idade no “kiosko” da família (lojas de conveniência espalhadas a cada esquina). “Dos anos 1990 até aqui provei todos.”
Mariano está escrevendo um livro sobre a história do alfajor argentino e afirma que a edição Mar del Plata da Havanna deu uma espécie de fechamento para a história, já que liga o passado e o presente da guloseima. Os 150 anos da cidade foram “a desculpa perfeita” para homenagear o lugar onde a marca nasceu, em 1948, segundo Zalazar.
A embalagem azul celeste ilustra o mar, a tradicional lancha amarela da região e, ao fundo, o edifício de 38 andares típico da orla do balneário, que popularmente é conhecido como edifício Havanna mas na verdade se chama Demetrio Elíades, um dos fundadores.
“Tinha que ser um alfajor muito Havanna, muito guloso. A homenagem permitiu que nos expressássemos mais, sem tanto cuidado. Então colocamos os dois recheios, 70 gramas de doce de leite [o convencional tem 35], e juntamos os sabores de Mar del Plata, o peixe, o sal marinho”, conta o diretor de marketing.
A ideia era que o produto não fosse inteiro salgado, mas que tivesse uma explosão apenas em algumas mordidas, por isso os cristais de sal, contrastando com o resto muito doce. Ele também nasceu para ser um produto de temporada, mas o êxito já faz a empresa começar a repensar a estratégia.
Por enquanto, a edição especial está disponível apenas na região da Costa Atlântica. Chegará ao resto do país depois da Páscoa, para não competir com outros produtos da marca nessa data. No Brasil, ele só deve ser vendido depois de seis meses a um ano, pelos tempos de registro para exportação.
Somos, porém, um destino visado pela Havanna, já que compramos parte expressiva dos 12% comercializados pela marca ao exterior e temos quase o mesmo número de pontos de venda (cerca de 200) que a própria Argentina (em torno de 250).
Fonte: Folha de São Paulo