Com que frequência você se pega apertando o “play” em uma velha série favorita, revivendo os mesmos episódios de TV que já viu antes —ou que até sabe de cor?
O que nossas escolhas de reassistir nos dizem sobre nós mesmos? É normal que continuemos voltando aos velhos favoritos?
Embora unilaterais, os relacionamentos que formamos com os personagens de nossos programas de TV preferidos podem parecer muito reais. Eles podem aumentar o senso de pertencimento, reduzir a solidão —e continuar nos atraindo. Quando assistimos novamente, sentimos tristeza, alegria e saudade, tudo ao mesmo tempo.
Chamamos a soma dessas contradições de nostalgia. Originalmente cunhada no século 17 para descrever soldados suíços prejudicados pela saudade de casa, os psicólogos agora entendem a reflexão nostálgica como um escudo contra a ansiedade e a ameaça, promovendo uma sensação de bem-estar.Todos nós conf iamos na ficção para nos transportar de nossas próprias vidas e realidades. A visualização nostálgica amplia a experiência, levando-nos a algum lugar que já conhecemos e amamos.
Nostalgia compulsiva
A pandemia da Covid desencadeou uma onda de nostalgia. Nos Estados Unidos, a agência Nielsen descobriu que o programa mais transmitido de 2020 foi a versão americana da série The Office, sete anos após o término de sua exibição na televisão. Uma pesquisa da Radio Times revelou que 64% dos entrevistados disseram ter assistido novamente a um seriado de TV durante o confinamento, sendo que 43% assistiram a programas nostálgicos.
De repente, fomos jogados em uma situação desconhecida e em um estado perpétuo de inquietação. Tínhamos mais tempo disponível, mas também queríamos nos sentir seguros. A sintonia com o conteúdo familiar na televisão oferecia uma fuga —um santuário das realidades do futuro desconhecido.
Revisitar as conexões com os personagens da TV nos dava uma sensação de controle. Sabíamos o que estava por vir em seus futuros. A calma e a previsibilidade de seus arcos equilibravam a incerteza dos nossos.
Nostalgia como ponto de enredo
A nostalgia está no DNA da televisão desde que as primeiras decisões sobre programação foram tomadas. Todo mês de dezembro, as emissoras se esforçam para exibir uma das muitas versões de “A Christmas Carol” (Um Conto de Natal), a história de fantasmas de Charles Dickens (1812-1870), muito recontada e familiar, que também apresenta a nostalgia como um dispositivo do enredo.
Exibida pela primeira vez na TV ao vivo na cidade de Nova York em 1994, com a tecnologia ainda nova, a transmissão deu continuidade a uma tradição de 100 anos em que o clássico aparecia nos palcos e nas telas de cinema. Assistir a “A Christmas Carol” nos conecta ao período de festas e a uma metamorfose emocionante. O protagonista Ebeneezer Scrooge revisita versões há muito perdidas de si mesmo e passa de vilão a herói e a nosso velho amigo em uma única noite.
Para os espectadores, reencontrar esse personagem na mesma época, todos os anos, também pode reconectar com o passado e criar um padrão previsível, mesmo no frenesi da temporada de bobagens.
A neurociência das experiências nostálgicas é clara. A nostalgia surge quando os dados sensoriais atuais, como o que você assiste na TV, correspondem a emoções e experiências passadas.
Isso desencadeia uma liberação de dopamina, um neurotransmissor do sistema de recompensa envolvido na emoção e motivação. O encontro com a lembrança é como carregar automaticamente e tocar em experiências positivas passadas, elevando o desejo e regulando o humor.
Portanto, a saudade se baseia em experiências codificadas na memória. Os programas de TV que escolhemos assistir novamente refletem nossos valores, nossos gostos e as fases da vida pelas quais passamos. Talvez esse seja o motivo pelo qual as reinicializações de nossos filmes ou série favoritos, às vezes, não dão certo e acabam nos deixando decepcionados.
Fonte: Folha de São Paulo/The Conversation
Texto: Anjum Naweed, Professor de Fatores Humanos, CQUniversity, Australia