Estamos nos aproximando de mais uma Copa do Mundo. O fascínio inerente ao jogo de futebol, bem como o seu eventual aliciamento por parte de grandes empresas e corporações, além do cenário político vivido no país, com suas trincheiras e cismas ideológicas, são os ingredientes ideais para a confecção de um coquetel amargo e explosivo. As consequências dessa receita polêmica são imprevisíveis, mas nem tanto. A celeuma em torno do uso partidário do popular esporte e da suposta alienação resultante da sua magia certamente virá à tona nas mídias, bares e redes sociais, gerando discussões acaloradas.
Justifica-se. Para o bem e para o mal, o futebol é uma caixa de ressonância do que acontece na sociedade, e os seus desdobramentos e filigranas são indissociáveis à mesma. Entretanto, essa relação parece ter atingido o ápice, e a corrupção endêmica que assola o país tornou-se uma espécie de irmã siamesa do velho esporte bretão, transformando-o no inimigo número um do cidadão, farto da falcatrua generalizada nos gabinetes do poder, que há tempos tomou conta também da entidade que detém o controle da nossa seleção, a CBF.
De uma forma maniqueísta e perversa, criou-se um cenário onde aqueles que torcem pela seleção seriam como cordeiros, compactuando mansamente com a infâmia do lucro criminoso das grandes empresas de comunicação e do próprio governo, incapaz de superar a sua crise moral e oferecer saídas que proporcionem uma vida digna à população. A autoestima do brasileiro encontra-se esfacelada, e ser patriota tornou-se um estigma.
Existe ainda a questão do salário astronômico dos craques que vestem a camisa canarinho, motivo de ultraje e indignação para o cidadão que trabalha honestamente sem ver a cor do dinheiro, e que acaba sendo tomado por um sentimento hostil em relação aos jovens astros da pelota, personificados na figura arrogante da eterna promessa Neymar.
Por outro lado, o prazer de acompanhar uma partida de futebol continua sendo um item de grande valor no relicário afetivo desse mesmo cidadão, ávido pelo desligamento da realidade opressora na qual se encontra mergulhado. Afinal, o futebol, assim como a música e a literatura, tem fins relacionados à nossa própria existência e bem-estar, justificando o famoso enunciado de Ferreira Gullar, no qual o poeta proclama que “a vida não basta”, sem a arte.
Uma coisa é certa, contudo. Ganhando ou perdendo, os onze atletas vestidos de verde e amarelo não irão pagar as nossas contas nem resolver os nossos problemas de saúde e amorosos.
De qualquer maneira, vale lembrar que a moral do esporte nem sempre se resume à vitória ou a derrota. A sua essência reside muito mais na beleza de uma jogada bem trabalhada, na trama coletiva dos conjuntos e no brilho individual do craque que conduz a bola com astúcia e fantasia. Cabe a nós decidir se vale a pena ignorar essa essência em nome do combate quixotesco a interesses escusos, que se encontram além da nossa capacidade de resolução.