Os seres humanos correm há centenas de milhares de anos, a maioria deles sem o benefício de calçados confortáveis e coloridos. Mas dê uma volta numa loja de artigos esportivos ou visite um site de corrida e você encontrará uma variedade estonteante de opções. Algumas prometem velocidade, outras conforto e redução de lesões, e quase todas têm preços altos. Para ajudá-lo separar fato de modismo, consultamos pesquisas e especialistas.
O QUE É EXATAMENTE UM TÊNIS DE CORRIDA?
Os tênis de corrida tradicionais são projetados para atenuar o impacto de bater no chão e para fornecer tração, diz Geoff Burns, fisiologista esportivo do Comitê Olímpico e Paraolímpico dos Estados Unidos em Colorado Springs.
Assim como outros calçados esportivos, os tênis de corrida são feitos de tecido, espuma e borracha, mas são projetados para atender às demandas específicas do esporte. Por exemplo, normalmente são mais leves e flexíveis do que os tênis de basquete, que são projetados para proteger os pés nos movimentos laterais.
A maior diferença na maioria dos tênis de corrida está na entressola, feita de espuma macia. Outros tipos de tênis esportivos têm espuma na entressola, mas os de corrida têm mais, e os fabricantes dizem que ela é afunilada na frente do calçado para ajudar no movimento para a frente, aponta Burns.
Além disso, a maioria dos tênis de corrida tem recursos integrados no cabedal –a parte de tecido que forma o corpo do tênis– destinados a manter o pé firme, pontua Matthew Klein, fisioterapeuta, professor assistente do Programa Doutor em Fisioterapia da Universidade West Coast e fundador do site e podcast “Doctors of Running”. Você pode notar um pedaço rígido de papelão ou plástico na parte de trás do tênis, chamado contraforte, por exemplo, ou tiras extras de tecido sobrepostas que percorrem o cabedal.
ELES REALMENTE CUMPREM O QUE PROMETEM?
As empresas de calçados investem muito dinheiro em pesquisa biomecânica, indica Allison Gruber, professora associada de cinesiologia e pesquisadora de biomecânica na Universidade de Indiana em Bloomington.
No entanto, os departamentos de marketing e os vendedores nas lojas muitas vezes exageram em certos recursos, especialmente para corredores mais novos, disseram Klein e Kevin Vincent, fisiatra e diretor da Clínica de Medicina de Corrida da Universidade da Flórida.
Tênis de estabilidade e controle de movimento, por exemplo, são populares entre os corredores e dizem que evitam lesões ao corrigir a pronação excessiva –quando o tornozelo se inclina muito para dentro enquanto você caminha ou corre. Alguns modelos têm reforços que reduzem o movimento de um lado para o outro, embora muitos lançamentos mais recentes usem sistemas mais sutis, como tornar o sapato mais largo na parte inferior do que na parte superior, afirma Klein.
Mas a evidência atual não confirma seus benefícios protetores. A pronação em si é uma parte natural da marcha de corrida. “É assim que seu corpo dissipa a força”, diz Vincent. A correção excessiva pode causar dores no joelho e no quadril e impedir que você use e fortaleça adequadamente os músculos do pé e da perna.
A pronação excessiva também pode representar problemas, mas é mal definida. “O que pode ser excessivo para uma pessoa não é necessariamente para outra”, diz Gruber. Em outras palavras, os tênis podem apresentar uma solução para um problema que um corredor pode não ter, e a maioria das pessoas ficaria melhor se permitisse que seus pés se movessem com mais naturalidade, pontua Vincent.
Sapatos maximalistas, com solas grossas que visam amortecer melhor o pé de impactos, são outra categoria popular. Alguns também têm fundos de balanço, curvados na frente e atrás, que guiam o pé para a frente. Enquanto o amortecimento pode suavizar o golpe, porém, mais espuma nem sempre é melhor, afirma Vincent.
Com uma camada de espuma mais grossa entre os pés e o chão, seu cérebro recebe menos informações sobre como seu corpo está interagindo com a superfície abaixo, indica Vincent. Isso pode torná-lo mais propenso a oscilar ou até mesmo bater no chão mais duro do que você faria com um sapato menos confortável. Parte do impacto é absorvida pela espuma, mas o restante sobe para outras áreas, incluindo o joelho e o quadril, potencialmente piorando qualquer dor prevalente nessas áreas.
Em última análise, a ideia de que qualquer tênis de corrida pode evitar que você se machuque não se sustenta. Taxas de lesões relacionadas à corrida, como dores nas canelas e fraturas por estresse, permaneceram altas nos últimos 40 anos, apesar da evolução da tecnologia de calçados. E um estudo na Cochrane Review publicado em 2022 avaliou 11.240 corredores em 12 ensaios clínicos randomizados, a maioria dos quais comparou diferentes tipos de tênis de corrida. A análise não encontrou nenhuma evidência de que tênis de corrida, ou determinados tênis prescritos por tipo, tenham propriedades de prevenção de lesões.
Há também supertênis de corrida na moda, com placas rígidas de fibra de carbono e espuma ultraleve e responsiva. Diversos estudos sugerem que, ao usá-los, os atletas sérios correm mais, melhorando sua economia de corrida –a quantidade de oxigênio necessária para correr em determinado ritmo.
Mas os supertênis não funcionam para todos: em um pequeno estudo conduzido por Burns e seus colegas, eles funcionaram para melhorar a economia de corrida (medida que avalia a associação entre a demanda de energia, velocidade e distância) e para alguns corredores em velocidades não de elite, mas cerca de um terço teve pior economia de corrida com eles. Não há muita pesquisa sobre supertênis e lesões, mas muitos especialistas acreditam que, embora eles não aumentem necessariamente o risco de lesões em comparação com outros tipos de calçados, podem mudar as formas como os corredores se machucam, diz Klein.
É por isso que ele e outros recomendam evitar os supertênis quando você está começando.
O QUE PROCURAR NOS TÊNIS DE CORRIDA?
A maioria dos corredores –incluindo os que estão correndo pela primeira vez– deve optar pelo que é conhecido como treinador diário neutro, diz doutor Klein. Esses sapatos não tentam mudar a maneira como seu pé interage com o solo –eles simplesmente colocam um pouco de amortecimento entre os dois.
Mas há algumas razões para considerar outras opções. Embora sapatos especializados, como tênis maximalistas e de estabilidade, não pareçam prevenir lesões de corrida, médicos como Klein e Vincent disseram que às vezes os recomendam a pacientes que já estão lidando com certos tipos de dor ou lesão.
Se, por exemplo, você tem artrite, fascite plantar ou outro tipo de dor nos pés, os calçados maximalistas –especialmente os com fundo de balanço– podem ajudar, pois há alguma evidência de que eles podem diminuir a pressão sobre seus pés e as demandas ao calcanhar e tornozelos. Nesses casos, é bom consultar um profissional de medicina esportiva, que poderá te orientar sobre tratamento e prevenção.
E se você faz regularmente quilômetros em terrenos escarpados, lamacentos ou íngremes, os sapatos de trilha adicionam tração para melhor aderência, especialmente em descidas, pontua Klein. Alguns também têm uma placa rígida embutida na entressola para proteger seu pé de pedras afiadas.
Acima de tudo, certifique-se de que seus sapatos sejam confortáveis, acrescenta ele. Conforto, mais do que adequar o sapato ao seu andar ou tipo de pé, é o que o manterá correndo em longo prazo, diz ele.
TÊNIS DE CORRIDA SÃO CAROS. COM QUE FREQUÊNCIA DEVO SUBSTITUÍ-LOS?
A maioria dos tênis de corrida de marca custa ao menos R$ 200, e os supertênis especiais podem custar mais de R$ 1.000. Você também pode comprar outros tênis por cerca de R$ 100 em uma liquidação ou loja de artigos esportivos –mas muitos corredores acham que não se sentem tão amortecidos ou confortáveis, provavelmente porque eles têm menos espuma ou de qualidade inferior, diz Burns.
Estudos realizados em laboratório e no mundo real sugerem que os tênis de corrida perdem quantidades significativas de absorção de choque em 480 a 800 km, se não antes. Isso é cerca de três a cinco meses se você for um corredor sério, ou talvez de nove a 12 meses se estiver correndo algumas vezes por semana, indica Hiruni Wijayaratne, maratonista de elite e treinador de corrida. Mas não está claro quando esse colapso começa a causar problemas para seus pés ou pernas, afirma Burns.
Depende muito do corredor e do calçado, pontua. Corredores de quilometragem mais alta, aqueles que treinam em superfícies mais duras ou acidentadas ou pessoas com padrões de marcha irregulares podem ter que substituir os sapatos mais cedo, e os supertênis tendem a se romper mais rapidamente do que os tênis neutros.
Se você está acostumado a correr, pode sentir quando seu sapato está se aproximando da aposentadoria –seu arco ou canela podem doer um pouco, ou seus joelhos ou calcanhares. Sinais visíveis de danos, como rachaduras ou borracha desgastada, também indicam que é hora de trocar, afirma Vincent.
Você pode prolongar a vida útil de um tênis se o utilizar apenas para correr e não para outros treinos ou para ir ao supermercado, pontua Burns. Se você tiver dinheiro, alternar entre os pares também ajuda, permitindo pelo menos 24 horas para que a espuma recupere sua forma. Há também alguma evidência de que revezar com mais de um modelo –seja numa categoria diferente ou num estilo semelhante em marcas diferentes– reduz o risco de lesões, talvez porque varie ligeiramente as tensões repetitivas em seu corpo.
Encontrar o tênis certo pode parecer assustador, mas não se preocupe muito em conseguir um par perfeito, diz Burns. Em vez disso, reconheça que provavelmente há uma variedade de sapatos que funcionarão para você, e a pesquisa faz parte da jornada de corrida.
Fonte: THE NEW YORK TIMES