Quadrinhos: ‘Conversas em Porto Alegre’ tem abordagem prática e ‘Pequeno manual da reportagem em quadrinhos’, também a teórica
Imagem da HQ ‘Conversas em Porto Alegre’, de Pablito Aguiar — Foto: Reprodução
Quando se fala em jornalismo em quadrinhos, o primeiro nome que vem à mente é o do maltês Joe Sacco, que se tornou popular com suas reportagens em áreas de conflito como Gaza e Sarajevo. Trinta anos depois de seu trabalho de estreia no gênero, sobre a Palestina, muitos outros profissionais mergulharam no mesmo estilo, como o americano Derf Backderf, com “Kent State: quatro mortos em Ohio” (Veneta), e o francês Fabien Toulmé, com a série “A odisseia de Hakim” (Nemo).
Natural de Alvorada (RS), Pablito Aguiar é um bom exemplo de brasileiro que produz reportagens em quadrinhos. Ou, para ser mais específico, entrevistas. Em seu mais novo livro, “Conversas em Porto Alegre” (independente), o quadrinista reúne 14 pessoas em 12 papos (há dois casais). São relatos comoventes sobre a trajetória de cada um na cidade, em uma estrutura narrativa que varia entre nove, seis e quatro quadros por página.
O grande trunfo do livro é dar protagonismo a pessoas comuns, com histórias que emocionam e se revelam, no mínimo, curiosas. Como a do funcionário mais antigo (acima) do Edifício Santa Cruz, o ascensorista Betinho, que trabalha há 45 anos no prédio, o mais alto de Porto Alegre.
— Eu sou movido primeiro pela minha curiosidade —diz Pablito, que revela ter conhecido uma de suas personagens numa prosaica viagem de ônibus. — Depois, entro em contato e combino com a pessoa que vou entrevistar para nos encontrarmos. Gravo tudo o que falamos, tiro fotos e faço vídeos. Todo esse material é o conteúdo que uso para criar o quadrinho. A partir da fala das pessoas, vou montando o roteiro, como se fosse um mosaico de palavras. Depois desenho, arte-finalizo e está pronto o trabalho. Este processo todo dura em torno de dois meses.
Ilustração de “Conversas em Porto Alegre”, de Pablito — Foto: Reprodução
Mesmo com seu aparentemente traço simples, em que usa bolas pretas no lugar dos olhos de seus personagens, o artista consegue extrair emoção em cada uma das entrevistas de seu livro, todas democraticamente com dez páginas e em tons sóbrios, em uma paleta enxuta de cores.
— O projeto começou em 2018, com o objetivo de entrevistar moradores da capital do Rio Grande do Sul de uma maneira mais aprofundada, procurando viver junto algo do cotidiano de cada pessoa escolhida — revela o quadrinista, de 35 anos, formado em Comunicação Digital pela Unisinos. — Como pescar com o pescador Deraldo, ir na igreja evangélica com a Adriana ou acompanhar o trabalho na roça do Dodô e da Vera. E o quadrinho nasceu como uma forma de compartilhar essas experiências, para que o leitor sinta algo próximo do que eu senti e conheça as diferentes realidades de cada pessoa que conheci.
Assim como os personagens do álbum de Pablito, Augusto Paim também vive em Porto Alegre, mas sua relação com o jornalismo é um pouco diferente. Ele acaba de lançar, pela editora Arquipélago, “Pequeno manual da reportagem em quadrinhos”, que esmiúça o processo de se fazer uma HQ-reportagem, desde a apuração até a publicação.
— Eu queria proporcionar um debate sobre a boa prática do jornalismo por meio dos quadrinhos, e para isso é essencial que haja uma obra de referência como base para discussões — conta o jornalista, com tese sobre reportagem em HQ pela Universidade Bauhaus, em Weimar, na Alemanha, onde viveu por oito anos.
Do “Pequeno manual da reportagem em quadrinhos”, de Augusto Paim — Foto: Reprodução
Com uma linguagem direta e exemplos de reportagem em quadrinhos (escritas por ele em parceria com ilustradores diferentes), Paim mostra o bê-á-bá do processo para jornalistas e quadrinistas em um livro simples e direto.
— No jornalismo existem manuais sobre como fazer notícia para rádio, entrevista para televisão, fotorreportagem… Já estava na hora de ter um manual relacionado ao quadrinho jornalístico — explica o autor, de longa carreira na área, inclusive como tradutor de gibis.
Em seu manual, Paim afirma que Sacco não inventou a reportagem em quadrinhos, mas a descobriu: “Diferente de outros desenhistas da cena underground, suas histórias autobiográficas lidavam menos com sua própria vida do que com o que acontecia em seu entorno. Certamente, já nessa época sua formação como jornalista exercia uma influência determinante sobre sua visão de mundo enquanto desenhista”.
—Eu gosto muito do trabalho do alemão Sebastian Lörscher. Sua obra se baseia no uso do bloco de desenho como instrumento de comunicação, algo que destaquei em minha tese.
Do “Pequeno manual da reportagem em quadrinhos”, de Augusto Paim — Foto: Reprodução
Segundo Paim, Lörscher viajou para Índia, Haiti e Nigéria sempre com seu bloquinho. E, a partir daí, surgiam as entrevistas.
— Em Berlim, ele usou o mesmo método para se aproximar de pessoas em situação de rua — conta Paim, de 38 anos. — Isso mostra o potencial do uso do bloco de desenhos como ferramenta jornalística. É possível utilizá-lo para se aproximar de fontes em temas que, de outra forma, seria mais difícil.
E conclui, citando um profissional de nosso país:
— No Brasil, não tem como não falar do sucesso estrondoso dos quadrinhos jornalísticos de Pablito Aguiar, seja fazendo perfis ou entrevistas. É um trabalho de grande sensibilidade e domínio da narrativa.
‘Conversas em Porto Alegre’. Autor: Pablito Aguiar. Editora: Alvorada. Páginas: 168. Preço: R$ 90.