A ânsia em distorcer fatos é a seara onde vaga o mau jornalista. Mas não só o mau. Muitos bons profissionais do ramo, impelidos por uma espécie de falta de escrúpulo, tem caído nessa armadilha, prestando um desserviço ao cidadão. Trata-se de uma prática antiga, onde a pressa em produzir manchetes sensacionais atropela a ética e o bom senso. Quem não se lembra do funesto jornal carioca que, às vésperas da partida final da Copa do Mundo de 1950, estampou em letras garrafais, de um modo desrespeitoso e imprudente, que o Brasil seria o campeão? A bravata foi usada pelo esperto capitão do Uruguai, Obdulio Varela, para atiçar os brios da sua equipe. Dizem até que “el negro jefe” teria comprado vários exemplares do periódico, espalhando as folhas no banheiro da concentração uruguaia para que os companheiros urinassem sobre elas. O resultado dentro de campo todos nós sabemos qual foi.
Recentemente, tivemos um pequeno frenesi coletivo quando foi anunciada a convocação da seleção que disputará a Copa da Rússia a partir do mês que vem. Wiliam Bonner, que é um grande jornalista, não titubeou em perguntar ao técncio Tite, quando esse visitou a bancada do programa Jornal Nacional, qual seria a importância e o papel de Neymar no esquema do time. Todos sabemos que o astro do PSG é um jogador fora de série, e que a sua presença no elenco canarinho é um trunfo. De qualquer maneira, a exposição exagerada do atleta na mídia nunca foi vista com bons olhos por qualquer um que, sendo ou não fã de futebol, tenha um modo sereno e reflexivo de encarar a realidade. Mesmo sendo um jornalista experiente e íntegro, Bonner entrou na seara do jornalista medíocre, que, na falta de uma pergunta mais inteligente na manga, apela para a abordagem rasa e opaca. Cabe aqui, pois, outra pergunta: existia a necessidade em trazer à tona o nome desse notável, mas, ao mesmo tempo, sobrevalorizado jogador? Será que havia interesse por parte do telespectador em ouvir, pela enésima vez, o nome do referido atleta, ainda mais quando sabemos que a característica marcante da seleção de Tite é o conjunto e não um jogador específico?
O polêmico e competente narrador Galvão Bueno, igualmente se deixou seduzir pelo canto da sereia da pieguice e do pedantismo. Em 2004, Daiane dos Santos era a grande sensação do nosso esporte. No ano anterior, a gaúcha havia conseguido a proeza de ser a primeira atleta brasileira a vencer uma prova dentro do Campeonato Mundial de Ginástica Artística, superando de forma categórica a terrível romena Catalina Ponor na modalidade do solo. Essa proeza justificava a esperança depositada pelos brasileiros em Daiane. Mas talvez não justificasse o teor imprimido por Galvão quando entrevistou a moça. Estando prestes a enfrentar o crivo dos juízes nas Olimpíadas de Atenas, Daiane foi submetida aos devaneios de megalomania do narrador, que, de modo inconsequente, depositou um fardo gigantesco sobre as costas da menina, como se ela, além de favorita à medalha de ouro, fosse uma espécie de “salvadora da pátria”. No dia da prova Daiane não alcançou as atuações anteriores, frustrando aqueles que sonhavam com o pódio.
Pode ser que Galvão estivesse apenas repercutindo o sentimento geral da nação. Mas, por outro lado, é inegável que, do alto da sua popularidade e do alcance magnífico das suas transmissões, ele tenha criado uma expectativa desproporcional em torno da disputa, elevando a níveis insuportáveis a tensão e a pressão sobre Daiane.
O dever do jornalista é informar e prestar serviço, de forma isenta e honesta. A irresponsabilidade e o vedetismo de alguns, no entanto, tem sido uma constante dentro da nossa imprensa, empobrecendo e aviltando o ofício certa vez classificado por Vitor Hugo como sendo “a imensa e sagrada locomotiva do progresso”.