A recente onda de provocações e troca de ofensas, entre torcedores do Caxias e do Manaus, aviltou a essência do espetáculo esportivo, tornando-o algo feio e vergonhoso. Alguns dirão que a “graça” do futebol é justamente essa, a chacota em cima do rival vencido. Mas a verdade é que o confronto entre os clubes gaúcho e amazonense, que decidiu uma vaga à Série C do campeonato brasileiro, teve contornos de vingança, vilania e tristeza. Uma tristeza que não é exclusiva do torcedor grená, que acabou vendo a vaga escapar, mas de todo aquele que preza pela dignidade humana e pela convivência pacífica entre os povos.
A invasão da torcida manauara às redes sociais do Caxias, após a vitória do seu time por 3 a 0, foi uma espécie de massacre virtual, um linchamento sórdido e irracional. O motivo dessa virulência seria o suposto menosprezo da torcida do Caxias para com o povo nortista. Diz-se que o adjetivo “índio” teria sido usado com nuances pejorativas, no período que antecedeu a decisão, inflamando os brios dos torcedores do Manaus. Uma situação patética, que remete aos estágios de enfrentamentos anteriores do time grená, contra Avenida e Cianorte. Times pequenos que, assim como o Caxias, sobrevivem tenazmente à sombra dos holofotes e das verbas publicitárias da elite do futebol nacional.
Agindo com preconceito e descortesia para com seus rivais gaúchos, paranaenses e amazonenses, o torcedor do Caxias dá vazão a uma indesejável condição varzeana, de minúscula estatura moral e institucional. Todavia, é bom que se diga que as bravatas partiram de alguns poucos indivíduos, pobres almas desprovidas de galhardia que buscam extravasar as suas mágoas através do velho esporte bretão. Tenho certeza que a maioria da torcida caxiense não compactuou com o desvario dessa parcela pequena e raivosa que, infelizmente, viceja como uma erva daninha entre as arquibancadas de concreto do Estádio Centenário.
Afinal, não seria sensato diminuir um povo tão prolífico em talentos, que deu ao país o pianista Arnaldo Rebello e o escritor Milton Hatoum, por exemplo. Um povo amigo, que vive imerso em seus problemas e alegrias, distante, assim como nós, das capitais econômicas e culturais. Um povo que sabe empreender, inclusive no futebol, tendo em vista a meteórica e consistente ascensão do Manaus, clube que com apenas seis anos de existência já foi três vezes campeão estadual, e agora irá disputar a Série C nacional.
Em razão de alguma notícia mal veiculada por estas bandas, envolta nas brumas da falta de conhecimento em relação ao recém-nascido rival, chegou-se a pensar que o time manaura não fosse detentor de numerosa torcida. Ledo engano, pois na tarde do jogo fatal mais de quarenta mil pessoas estiveram presentes à Arena da Amazônia. Uma verdadeira maré carnal, se agitando nas arquibancadas até transbordar em euforia com a glória da retumbante conquista.
Ao Caxias resta esperar, e outra vez beber em silêncio o remédio amargo da derrota. O que teria dado errado? Apesar do novo fracasso, o plantel do clube apresentava bons valores, como o goleiro Lee e o veterano zagueiro Jean. Na meia cancha, o volante Foguinho deu mostras de raça e ímpeto técnico, sendo um dos artífices do grupo. Rafael Gava foi outro que desempenhou suas funções com determinação e coragem, apesar do pênalti perdido contra o Manaus no jogo de Caxias do Sul. E o polêmico Wagner, apesar do seu perfil folclórico e falastrão, também teve momentos de bom futebol. A demissão intempestiva e nebulosa do técnico Pingo pode ter atrapalhado o grupo na reta final do trabalho, mas a verdade é que faltou ao Caxias um pouco mais de qualidade e contundência na hora fria e inescapável de matar ou morrer.
Seja como for, existem diferentes maneiras de ganhar e perder. O futebol é uma arte, e a arte não pode ser usada para a violência. Só quando tivermos uma postura magnânima, de respeito e admiração para com a cultura e os valores dos nossos adversários, poderemos crescer como clube. Nesse dia, as vitórias e derrotas serão um mero detalhe, obscurecidas pela luz pacífica do verdadeiro espírito esportivo.